terça-feira, 3 de abril de 2012

Minhocas na cabeça, por João Paulo Hergesel


Nome: João Paulo Hergesel
Blog: Joaninha Platinada
Endereço: Alumínio - SP



A perspicácia do Verão foi calorosa. Na distribuição das estações, soube escolher o melhor período, obteve a sorte de trabalhar com a companhia do Sol e ganhou a oportunidade de receber o ano com um sorriso radiante de boas-vindas, bem como a de lhe dizer adeus com um ardente beijo de despedida. Pode, inclusive, se gabar por acolher os três maiores feriados, Natal, Ano Novo e Carnaval. Além de bancar o bonzinho com os jovens por ter abraçado, também, as férias escolares.
Às vezes, porém, o que deveria ser descanso acaba se resultando em tédio. Na chácara do avô, nada para fazer, ninguém com quem falar — nem as três filhas da empregada, de idades consecutivas aos doze anos dele, arriscavam conversa. Para se livrar do contrastante frio do desprezo, distanciou-se da casa e adentrou uma trilha abandonada, onde seguiu até encontrar um riacho.
A grama tão alta parecia estar de pé. Ele deitou o corpo sobre ela, as mãos se fizeram travesseiro, os olhos admiravam as nuvens que bailavam no cenário azul do céu. Coisa mais chata, mas servia para passar o tempo e se esquecer do desejo alucinado de chupar sorvete. A bermuda de poliéster e a camiseta sem mangas deixavam à mostra as pernas e os braços, que já carregavam os primeiros fios da puberdade. Passou quatro horas ali.
Percebeu ter encontrado algo mais que um lugar bonito: descobriu o aconchego. Sentia-se relaxado, a brisa morna fazendo-lhe cair no sono. As pálpebras pesavam, mas antes que elas se fechassem, a bexiga tornou-se um incômodo. A sensação de preguiça era muito boa, por isso cruzou as pernas e tentou enganar o organismo. Há coisas, no entanto, as quais não se adianta nem tentar; impedir a vontade da natureza é uma delas.
O banheiro mais próximo ficava longe, e o barulho da correnteza não contribuía muito para o autocontrole. Teve de tomar uma atitude tipicamente masculina: infiltrando-se entre arbustos e correndo para trás de uma árvore, fez do musgo mictório. Por fim, olhou para baixo — ficou cara a cara com uma minhoca.
Como ela era feia, pobrezinha... e aparentemente estava infeliz; pelo menos não sorria, se é que tinha algum dente para isso. O sol a deixava estorricada e sem forças, um caule de margarida exposto ao calor, completamente murcho. O garoto quis fazer alguma coisa com ela, embora não tivesse a mínima ideia do que pudesse ser feito. A minhoca era indiferente ao olhar do rapazinho.
O som de passos fez o garoto virar-se abruptamente; a minhoca apenas transpareceu um leve movimento. As filhas da empregada apareceram para tomar um banho de riacho. O verde circundava o lugar, e o garoto, espiando entre os vegetais, sentiu seu mundo colorir. Uma morena, uma loura e uma ruiva: sorvete de napolitano em forma humana.
Os olhos brilhantes baixaram e viram que a minhoca havia encontrado sombra e se reidratava aos poucos. Ele baixou a mão direita e a aproximou dela, numa tentativa de brincar — uma brincadeira da qual não sabia certamente quem sairia vencedor. Tomou entre os dedos algo mole e esquisito de segurar.
Voltou a observar entre as folhagens e se deparou com uma imagem nunca vista pessoalmente por ele antes: as camisetas não poderiam ser molhadas, por isso as garotas as tiravam. O garoto colocava um sorriso malandro na face. A minhoca se contorceu, espreguiçando-se, como se a sombra, a temperatura ou algum outro fator do momento fosse responsável por que ela se esticasse.
À beira do riacho, a loura e a morena usavam os delicados dedos para desfazer o nó dos cordões de seus shorts, enquanto a ruiva descia calmamente a saia. O garoto continuava a espreita e se divertia com a cena. Começou a balançar os dedos, uma massagem malfeita na minhoca. Ela, mesmo assim, demonstrava gostar e o recompensava fazendo pequenas cócegas.
Não sabia se ria ou se se segurava, se olhava para a isca de peixe ou para as três sereias. Sem perceber, a situação dos dois novos amigos se inverteu: a minhoca estava rígida, procurando algo para olhar, e ele se contorcia, sentindo uma estranha alegria interior nunca sentida antes.
Reposicionou os olhos a tempo de assistir ao desfecho da cena. As moças analisaram o ambiente e, sem notar a presença do neto do patrão, se desfizeram das roupas de baixo e pularam na água cristalina, refrescando seus corpos.
Uma inesperada e repentina chuva de fim de tarde escorreu de uma nuvem passageira. As garotas saíram espontaneamente do riacho e, vestindo-se rapidamente, voltaram para casa. O garoto permaneceu estático — as gotas do suor imprevisto que vazava da testa se misturaram com as gotas do suor vindo do céu. A minhoca, agora molhada, se encolheu na palma da mão. A mão estava pegajosa — celoma de anelídeo, talvez — e mostrava o poder que ela teria dali em diante.
Perspicaz foi o Verão. Merecedor de uma menção honrosa por representar uma época que é tida, por muitos, como a da descoberta da adolescência.


Direitos Reservados à João Paulo Hergesel

1 comentários:

Gostei muito do seu texto! Sutil e sagaz!

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