terça-feira, 13 de março de 2012

Conhaque: Por Maria Teresa h. Fornaciari


Nome: Maria Teresa h. Fornaciari
Blog: Ouvindo Meus Botões
Endereço: São Paulo - SP



Conhaque

Tudo por causa do conhaque, dona Vera... Eu aqui trabalhando dando duro varrendo escovando lavando e ele lá largado no sofá que até rasgou e ficou com o recheio aparecendo, um nojo. Os meninos não aguentam os gritos, ele só sabe falar berrando mais que os carneiros do pasto que muitas vezes fogem pela cerca que ele não conserta, vai ver nem os bichos são surdos e ficam horrorizados com o jeito como ele fala comigo e somem pelo mundo e depois ele tem que procurar eles e não acha e o patrão fica uma onça e desconta cada um dos carneiros do salário dele que não dá pra nada. Não gosto mais dele não, dona Vera, a senhora acha que eu posso gostar de um traste que não me enxerga nem quando eu ponho aquele perfume caro e vencido que a senhora me deu? Eu não tenho mais marido, dona Vera, tudo por causa do conhaque, o mesmo conhaque que fez mãe ficar desesperada e me dar de papel passado quando eu tinha sete anos, só sete anos, dona Vera. Nunca mais vi minha irmãzinha gêmea, ela também foi embora um pouco antes com uma moça de cabelo vermelho e de olhão azul para tomar conta de um bebê chorão de olho azul também, foram de carro naquele dia chuvoso de verão. Se eu perdoei mãe? Acho que sim porque o conhaque bota a gente desnorteada mas não dá pra dizer que gosto dela e de pai, nunca me procuraram e nem conhecem os meninos meus, aliás eles já estão grandes e falam em sair de casa para trabalhar na cidade e eu vou ficar sem eles, dona Vera,  vou ficar sem nada. Tá certo, tenho meu emprego aqui, mas não gosto nem do dinheiro que levo pra casa e que compra mais conhaque, dona Vera.
Estou parando até de rezar, dona Vera, parece que Deus está cheio de compromissos e não tem tempo pra gente sem mãe sem pai sem irmã sem marido sem filho sem coisa nenhuma. Vou contar pra senhora um segredo daqueles que não conto pra ninguém, dona Vera: sabe do que gosto? De sair do serviço no fim do dia mesmo que seja exausta porque aqui o trabalho é pra duas, a senhora me desculpe de estar falando isso, mas eu já disse que era segredo bem guardado, então eu saio daqui e vou andando pra casa a pé sem pressa nenhuma, mas olhando o céu cheio de nuvens e pensando que num dos muitos esconderijos dele vai ter uma garrafa de conhaque me esperando pra um gole. Eu sei que não devo, D. Vera, mas só o conhaque pra me fazer companhia e fingir que não existe em casa aquela cara inchada que não me vê, mesmo com este vestidinho de verão cheio de flor e de decote que a senhora não quis mais, D. Vera!


Texto de Francisco Ferreira, Divulgado aqui em razão do concurso. Visite o blog de Maria Teresa


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